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  • Foto do escritorVera Felicidade

Psicóloga desvenda alquimia do mundo



- por Paulo Cesar Coutinho -


Imaginem que estamos em pleno século XVI. É crença generalizada que a Terra é o centro do universo, onde Deus criou o homem sob um céu de estrelas fixas. É isso que afirmam intelectuais e teólogos, e todas as instituições religiosas e acadêmicas do Ocidente. De repente, nos cai nas mãos um pequeno livro de um obscuro Giordano Bruno, dizendo que o universo é infinito, com inúmeras estrelas solares circundadas por sistemas planetários, e que não somos o centro do cosmo! Como reagiríamos diante dessa contestação total da razão e da fé vigentes?


É essa dimensão absolutamente insurgente, de antítese avassaladora da mentalidade atual, de completa revolução na psicologia contemporânea, que trazem os livros de Vera Felicidade Campos. Se a autora vivesse no Primeiro Mundo, sua obra já seria internacionalmente reconhecida como intervenção de gênio. Como vive na Bahia, totalmente integrada na teoria que criou, seus livros ainda são objeto de discussão de raros conhecedores.


Hoje a psicanálise domina o mundo. Não há campo de atividade humana onde essa teoria não esteja disseminada. Não só as "ciências", mas o senso-comum e a linguagem cotidiana estão impregnadas de conceitos psicanlíticos. Já há 20 anos, em seu primeiro livro, a autora empreendia aniquiladora crítica da psicanálise, recusando a hipótese freudiana do inconsciente, reduzida à categoria de mito. As reações, então, foram de escândalo: heresia, blasfêmia, paranóia. O que essa obscura psicóloga criava era uma nova visão de mundo, fundamentada no "gestaltismo dialético". Uma visão global e unitária do fenômeno humano, que transcende os seus constituintes, e instaura uma prática terapeutica inédita - que nada tem a ver com o gestaltismo difundido no Brasil de origem americana, simbiose de psicanálise e zen-budismo, numa mixórdia holística.

Neste seu quinto livro, Vera Felicidade esclarece como o ser humano só realiza sua humanidade transcendendo o "estágio sobrevivente" e vivenciando o nível existencial contemplativo. O homem "primitivo" é um sobrevivente. É o caçador-coletor, que mata ou morre, luta ou foge. A sua mente está sempre alerta ao perigo. O homem, então, descobre o fogo. As chamas afastam as feras e aquecem o corpo. Em volta da fogueira, o homem está livre para contemplar. O fogo reflete em seu rosto. O homem reflete sobre o fogo. Está aceso o brilho da consciência.


A autora demonstra que essa realidade selvagem continua até nossos dias. O homem neurótico, autorreferente, vive em função de metas, obstáculos a vencer, situações a manter, objetivos a alcançar. É um caçador coletor, sempre amealhando migalhas, em eterna luta e fuga. Nesse sentido, o terapeuta é um novo Prometeu, assaltando os céus e trazendo o fogo da terapia ao homem. A terapia gestaltista interrompe o processo luta-e-foge, a caça-coleta moderna, e possibilita a titude existencial-contemplativa, humanizadora.


Aprofundando sua teoria, a psicóloga explicita a superação de outros dualismos, como a oposição de sujeito e objeto, origem da eterna falsa contradição entre materialismo e idealismo. Pode-se dizer que o próprio livro é uma evidente superação da falsa dualidade ciência/espiritualidade. É com o seu método de exaustivas pesquisas e sua fundamentação multidisciplinar e erudita que Vera aproxima a psicoterapia gestaltista de certas filosofias orientais: "Não é que gestaltistas sejam hinduistas ou ioguis, é que tanto uns como outros dedicaram-se a perceber o que estava diante deles sem interpretações nem buscas de resultados".


O GLOBO - 25 de julho de 1993

* Paulo Cesar Coutinho é autor de teatro e psicólogo


- Lançamento do livro: "Terra e Ouro são Iguais"

- Autora: Vera Felicidade de Almeida Campos

- Jorge Zahar Editor

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